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A mulher apaixonada é um ser em estado de torcida do Flamengo. Torce mais por ele (o amado) que pela Seleção. Entra no campo, agride o juiz, salta o alambrado, topa qualquer desafio. Só vê a vitória. O único ser que topa qualquer parada não é o herói, o desesperado ou o valente: é a mulher apaixonada.

Vai paro exílio, larga carreira, profissão, conveniência, partido político. Só tem um caminho e uma verdade: o amor. O resto virá depois. Sem ele, o tudo é nada.

A mulher apaixonada é o mais paciente dos seres impacientes. Sempre em estado de “estou pronta” suporta anos esperando com uma insuportável e maravilhosa impaciência, exigência, dedicação, entrega, cegueira, vontade de quintais e praias, as amarrações que supõe perfeitas e definitivas. Ninguém vive a provisoriedade com tanto sentido de permanência. Ninguém assina em branco e antecipa tantos avais de afeto.  Ninguém erra com tanta convicção e decência.

Fera e santa, guerreira e gato, desastrada e genial, capaz de usar fitas, meias coloridas, blusas-bobagem; de enfrentar solidões, distâncias, presenças, piratas e furacões pelo ser amado, a mulher apaixonada é o mais regular dos seres irregulares, porque não julga, não pensa, não avalia, só sente.

E que se danem o mundo, as regras, as regulações, conveniências, aparências, seguranças, convenções, disposições, legislações e tudo aquilo que a mãe ensinou! Que o mundo exploda em flores!

Ser de grandezas, só vive de migalhas. Ser de fartura, alimenta-se de ar, nuvem, vontade, espera e sonho. Quem se supõe apaixonada e trocar uma nuvem por um sanduíche está é com fome, não com paixão. Está doente de saúde, e não saudável de doença de amor.

A mulher apaixonada é um ser em estado de entendimento de pedaços da vida desconhecidos pelo comum dos mortais: entende de lençóis iluminados pela luz do corredor nas noites sem sono, conhece ruídos diferentes de tique-taques, entende de meio-fio, de paredes chutadas, de cantores e poetas escolhidos secretamente, de confidências contadas para as toalhas.  

Domina computadores afetivos encarregados de arquivar e interpretar as mensagens mais sutis do amado: tom de voz, espaço entre uma e outra frase, fomes dominicais, impressões vagas de cansaço, tédio, alegria ou saudade expressas por fungados, suspiros, desabafos, interjeições, gestos, sons, olhares, todos tabulados no seu “compoetador”, perfurado pela esperança e perfumado pela possibilidade

A mulher apaixonada vive de farol alto, não desliga a buzina, não fecha bico de gás, só anda de pé na tábua, ouve tudo em 78 rotações, força a barra, anda na contramão, joga pedra no telhado do vizinho, vai depressa com o andor, desassossega o leão, cutuca a fera com vara curta, gasta pólvora com chimango, perde tempo, ganha o sonho, vive o susto, varre o medo, enfrenta a frota, esmaga o espanto, esbarra no afago, espera a vida, encontra a razão, fala de boca cheia, assovia e chupa cana, beija a madrugada, insulta a acomodação, instala o reino da validade.

Ela é: especialista em pretextos; modista de oportunidades; cozinheira de chances, pediatra de carências, jardineira de manhãs, pastora de indícios, navegante de esperanças; fiandeira de frustrações, colhedeira de instantes, tecelã de ternuras; miúra de girassóis, doceira de amarguras.

A mulher apaixonada é furacão e chuvisco; exaltação e placidez; adivinha e alienada; sábia e patusca; maravilha e susto; mãe e mulher; filha e bruxa; santa e desastrada. A mulher apaixonada é, em suma, o ser que atende e representa em profundidade, em delírio, em sofrimento e em glória, a criança carente que mora em nós.